Atenção à saúde da população negra na perspectiva dos profissionais de saúde

DOCUMENTAÇÃO

Tema: Economia da Saúde e Politicas Públicas da Saúde

Acessos neste artigo: 244


Certificado de publicação:
Certificado de LILIANE DE JESUS BITTENCOURT

COMPARTILHE ESTE TRABALHO

AUTORIA

Liliane De Jesus Bittencourt , Marcos Venicius Gomes De Sá , Thaíse Mara Dos Santos Ricardo

ABSTRACT
Introdução: A população negra possui vulnerabilidades sociais que repercutem no processo saúde, doença, cuidado e morte. Nesse sentido, sendo o racismo um determinante social de saúde com suas repercussões nas várias dimensões psicossociais, entende-se que essa população é diretamente afetada, demandando assim políticas públicas de saúde específicas. Desse modo, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) emerge como instrumento para a efetivação do compromisso do Sistema Único de Saúde com a universalidade, integralidade e equidade em saúde desse grupo populacional. A PNSIPN, dentre  suas diretrizes e objetivos, estabelece a inclusão dos temas Racismo e Saúde da População Negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde e no exercício do controle social na saúde; o incentivo à produção do conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra e a inclusão do tema, Combate às Discriminações de Gênero e Orientação Sexual, com destaque para as interseções com a saúde da população negra, nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde e no exercício do controle social (BRASIL, 2009).  Reconhecendo sua relevância para sanar ou ao menos minimizar as desigualdades em saúde, o presente estudo buscou avaliar como a PNSIPN tem sido efetivada de modo prático, nas ações que visam promover a saúde desse grupo vulnerabilizado. Objetivo: Avaliar o nível de incorporação da PNSIPN no desenvolvimento de ações de promoção da saúde, prevenção de doenças e cuidado, na perspectiva dos profissionais de saúde da atenção básica, em 3 municípios baianos, sendo eles: Salvador, Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas. Método: Trata-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória, realizada no ano de 2019 em três municípios da Bahia, Salvador, capital do Estado e Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas, municípios do Recôncavo Baiano. Inicialmente foi estabelecido o contato com as Secretarias Municipais de Saúde dos municípios, através das coordenadorias de atenção primária à saúde. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com profissionais de nível médio e universitário da atenção básica, conduzidas por integrantes da equipe de pesquisa, pertencentes ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Raça e Saúde - NEGRAS. As entrevistas foram analisadas a partir da análise de conteúdo. Resultados e Discussões: Foram realizadas o total de 19 entrevistas (Salvador: 06 profissionais de nível superior e 07 de nível médio; Santo Antônio de Jesus: 02 de nível médio; Cruz das Almas: 01 de nível superior e 03 de nível médio). Destas, 89,5% dos profissionais se consideram mulheres cis e 10,5% homens cis, 21,1 % se  autodeclararam pretos e 78,9% pardos. Dos dados emergiram 04 categorias de análise: 1) Atenção Primária à saúde; 2) Saúde da População Negra; 3) Política Nacional de Atenção Integral à População Negra - PNSIPN e 4) Atenção à saúde na diversidade.  Em Salvador, os profissionais de nível superior reconhecem a Atenção Primária à Saúde (APS) como porta de entrada para os usuários na rede de serviços. No entanto, compreendem de maneira limitada, associando-a somente à educação e promoção à saúde, desconsiderando as demais dimensões do nível de serviço. De modo semelhante, foi verificado em Cruz das Almas. Os de nível médio apenas relacionam este nível de atenção aos serviços de baixa complexidade e de caráter preventivo, relacionando a qualidade do serviço de saúde à disponibilidade de vagas para o atendimento e reconhecem que as pessoas mais pobres são as mais prejudicadas nas demandas do serviço. Em Santo Antônio de Jesus também foi verificado, entre os profissionais de nível médio, o entendimento de que a prevenção e promoção da saúde é o objetivo central da APS. O trabalho em saúde no campo da atenção primária requer alguns conhecimentos fundamentais para o exercício da prática de saúde conforme, os princípios e diretrizes do SUS.  De acordo com a Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2011), a atenção básica engloba o conjunto de ações de saúde no âmbito  individual e coletivo que abrangem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde, desenvolvida por meio de práticas de cuidado integrado, ou seja vai para além da prevenção de agravos ou promoção daúde. No que tange a Atenção à saúde na diversidade, os profissionais de nível superior de Salvador não consideram a diversidade em sua prática profissional. Nos relatos dos profissionais de nível médio, foi possível perceber que os mesmos compreendem que o Brasil desvaloriza os cidadãos negros e reconhecem a existência do racismo religioso e práticas de homofobia. Relataram sobre a importância de conhecer a história e os direitos dos povos tradicionais, sobretudo da população quilombola. Todavia, esses profissionais desconhecem o conceito de diversidade. É nesse cenário que se manifesta a relevância da PNSIPN, a fim de dar conta das negligências as quais a população negra é vítima historicamente e promover a tão sonhada equidade (NETO et al., 2015). Foi possível identificar uma confusão entre conceitos, bem como uma dificuldade em distinguir, por exemplo, adversidade de diversidade, raça de etnia e gênero de orientação sexual. Esse diagnóstico demonstra desconsonância com o princípio da equidade e com as demandas da área da saúde de grupos específicos, dentre eles a população negra. Para que o direito ao acesso a bens e serviços em saúde seja efetivo, é essencial  identificar e compreender as diferenças nas condições de vida, religião, gênero e sexualidade,  oferecendo assim, atendimento aos indivíduos de acordo com suas especificidades. Em relação às suas percepções a respeito dos serviços, destacaram a efetividade das ações realizadas pelos serviços de saúde nos terreiros de candomblé. Afirmaram que nunca presenciaram racismo ou homofobia na unidade em que trabalham, mas alegaram sofrer racismo quando, na condição de usuários, em Unidade de Pronto Atendimento. No município de Cruz das Almas verificou-se que os profissionais de nível superior associavam a diversidade aos ciclos de vida e a condição de gestante. A multiplicidade que compõe os sujeitos não é reconhecida e nos conduz a uma inferência que, consequentemente, não é adotada nas práticas de cuidado.  Já os profissionais de nível médio apresentaram uma visão discrepante acerca do tema. Parte dos entrevistados apresentou uma percepção mais ampliada, referenciando a raça, o gênero e a religião como aspectos importantes a serem considerados. Reconheceram ainda a existência do racismo religioso na unidade. Ainda destacaram que na zona urbana há mais discriminação do que na zona rural, sinalizando que neste espaço há menos diversidade. Por outro lado, foi possível perceber que alguns entrevistados da mesma categoria não consideram a diversidade nos atendimentos, pois não identificam a necessidade de diferenciação entre os indivíduos em relação aos cuidados de saúde. Aliado a esse modo de pensar, pode estar imbricada a ideia da democracia racial, de que todos temos acesso e oportunidades iguais independentes da raça ou gênero. Em Santo Antônio de Jesus, os profissionais de nível médio demonstram uma postura contraditória, ao mesmo tempo que relatam não considerar as diferenças no atendimento prestado à população, afirmam realizarem palestras sobre diversidade na unidade. Em relação à saúde da população negra, a percepção dos profissionais de nível médio foi semelhante entre os três municípios. Foi possível verificar que a opinião dos profissionais se dividiu em dois blocos: o primeiro, evidenciou o desconhecimento sobre a temática e não reconhece as especificidades dos diferentes sujeitos que compõem a população. O segundo, entende que a maior parte da população baiana é negra e reconhecem que as violências sofridas por estas pessoas vão além do âmbito da saúde, o que justifica a realização de atividades, por meio de palestras e oficinas existentes nas unidades. Posto isto, nesse contexto, a operação de um racismo institucional pode ter sua base nesse não reconhecimento das particularidades da população aqui abordada. Werneck (2016) afirma que o racismo é um fenômeno ideológico, descrito como um fator de violação de direitos, favorecendo as iniquidades sociais, particularmente no campo da saúde. O racismo tem relação com todo ciclo de vida da pessoa negra, desde seu nascimento, bem como sua trajetória familiar e individual, até as condições de vida, moradia, trabalho, emprego, renda e de acesso à informação e aos bens e serviços. O racismo se manifesta na qualidade do cuidado e na assistência prestada pelo serviço, nos perfis e na estimativa de mortalidade adulta e infantil, nos sofrimentos evitáveis ou nas mortes precoces. Nesse contexto, se justifica ter como diretriz geral da PNSIPN (BRASIL, 2009) “A inclusão dos temas Racismo e Saúde da População Negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde e no exercício do controle social na saúde”. No que se refere à PNSIPN, um dado comum a todos os profissionais entrevistados nos 03 municípios foi o desconhecimento da política de forma geral. Por outro lado, alguns participantes ressaltaram sua importância e necessidade de implementação, mas reconhecem não saber como inseri-la na sua prática profissional. Nessa perspectiva, Batista et al (2013), enfatiza a necessidade de investimentos na renovação do aprendizado sobre a PNSIPN para viabilizar o aperfeiçoamento e retroalimentação da mesma. Houve também os que acreditavam que a política promove “priorização” da população negra sobre outros grupos populacionais, configurando-se, dessa maneira, um aspecto negativo. Por esse ângulo é importante ressaltar o perigo em confundir a causa com o efeito, a necessidade de uma política de saúde singular para determinados grupos socialmente vulnerabilizados surge para promover a equidade e não para privilegiar estes grupos. Os profissionais de nível médio, em Santo Antônio de Jesus, mesmo não conhecendo a política, afirmaram ser  importante o investimento para reforçar a efetivação da mesma, como a assistência prestada pelo serviço de saúde à população de religião de matriz africana, tanto na unidade quanto no território, de modo a não se restringir a ações pontuais.  Considerando o caráter transversal das ações de saúde da população negra, inserir a PNSIPN na prática profissional refere-se à efetivação do direito humano à saúde, em seus aspectos de promoção, prevenção, atenção, tratamento e recuperação de doenças e agravos transmissíveis e não-transmissíveis, incluindo aqueles de maior prevalência nesse segmento populacional (BRASIL, 2009). O Desconhecimento da PNSIPN por parte dos profissionais de saúde  impacta a vida, o acesso aos serviços e a qualidade da atenção dessa camada populacional. Gomes e colaboradores (2017), ao analisar o processo de implantação da PNSIPN no estado da Bahia, afirma que o ciclo ainda não se consolidou, sendo de extrema relevância investir em iniciativas para a concretização de suas etapas finais, como atualizar  os indicadores de saúde, por exemplo, os desagregados por raça/cor, e promover a comparação desses indicadores de saúde nas diferentes regiões e municípios, a fim de realmente validar o impacto e os avanços alcançados na implantação dessa política tão importante. Conclusão: Diante de um contexto permeado por diversas negligências no que diz respeito a saúde da população negra, foi possível verificar que embora a PNSIPN tenha sido uma importante conquista dos movimentos sociais negros, a fim de minimizar as desigualdades em saúde, a efetivação total da mesma ainda é um propósito a ser alcançado nesses municípios. Além disso, é notória a falta de conhecimento da política e a ausência de mecanismos para efetivar as ações em saúde para essa população, frente às suas singularidades.

Para participar do debate deste artigo, .


COMENTÁRIOS
Foto do Usuário Alana Maria Alves Costa 09-02-2021 09:50:35

O artigo apresenta uma temática bastante pertinente, elucidando alguns fatores que influenciam na dificuldade de promoção à saúde da população negra, devido a carência de efetivação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e à falta de conhecimento por parte dos profissionais acerca da Política. O estudo apresenta resultados bastante detalhados.

Foto do Usuário Luana Gomes Oliveira 09-02-2021 09:50:35

Muito relevante a temática, tanto quanto, a proposta de intervenção. Acredito que a implementação de rodas de conversas pontuais com profissionais que tenham conhecimento acerca da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, possa tornar mais efetivo a conscientização da população negra sobre seus direitos a uma saúde digna.

Foto do Usuário Matheus Sousa Santos 09-02-2021 09:50:35

Pesquisa de grande relavância. O trabalho consegue atingir o seu objetivo, além da importância em debater ações que visam promover a saúde desse grupo que possui várias vulnerabilidades.

Foto do Usuário Daniel Antunes Freitas 09-02-2021 09:50:35

Tema muito interessante para os dias atuais; faz parte daqueles grupos pouco vistos pelas autoridades sanitárias.

Foto do Usuário Mislândia Marques Mota 09-02-2021 09:50:35

A relevância da temática é nítida, uma vez que as políticas públicas para as populações mais vulneráveis necessitam cada vez mais de discussões críticas sobre sua efetivação e abrangência. Nesse viés, os objetivos propostos pelo artigo foram alcançados de forma compreensível.

Utilizamos cookies essenciais para o funcionamento do site de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.